sábado, 30 de abril de 2011

O teatro no primeiro período militar

(*) POR MILTON ANDRADE

Independente de toda a sua pujança e liberdade, o teatro como todas as outras expressões artísticas sofreu um revés que tolheu toda a sua capacidade criadora e motivadora: a censura. Nesta pesquisa abordaremos os efeitos que a ditadura exerceu sobre o teatro no período de 1964-1968.

O Brasil no contexto político - 1964 -1968

Segundo Castro (2004), nos bastidores do governo, tramava-se o pior golpe político que o país sofreria desde o início de sua história: o movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 com o objetivo de depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então, declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964.
A crise político-institucional da qual nasce o regime militar começa com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Agrava-se durante a administração João Goulart (1961-1964), com a radicalização populista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e de várias organizações de esquerda e com a reação da direita conservadora. Goulart tenta mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no país.
Esses fatos, segundo Castro (2004) leva o empresariado, parte da Igreja Católica, a oficialidade militar e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD), a denunciar a preparação de um golpe comunista, com a participação do presidente. Além disso, responsabilizam-no pela carestia e pelo desabastecimento.
No dia 13 de março de 1964, o governo promove grande comício em frente da estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em favor das reformas de base. Os conservadores reagem com uma manifestação em São Paulo, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março. A tensão cresce. No dia 31 de março, tropas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançam sobre o Rio, onde o governo federal conta com o apoio de setores importantes da oficialidade e das Forças Armadas. Para evitar a guerra civil, Goulart abandona o país e refugia-se no Uruguai.
No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declara a vacância da Presidência. Os comandantes militares assumem o poder. Em 9 de abril é decretado o Ato Institucional Nº 1 (AI-1), que cassa mandatos e suspende a imunidade parlamentar, a vitaliciedade dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos e outros direitos constitucionais. Segundo Castro (2004), a falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável, não se conseguiu articular os militares legalistas. A crise econômica se aprofunda e mergulha o Brasil na inflação e na recessão. Crescem os partidos de oposição, fortalecem-se os sindicatos e as entidades de classe.
De todos os setores, a imprensa foi a que sofreu a mais profunda censura. A TV, o rádio, e todos os meios de comunicação eram vigiados de perto pelos militares, muitos eram perseguidos e expulsos do país, até mesmo mortos, por irem contra tais medidas.
Foi nesse período, que o teatro sofreu a maior perseguição de sua história.

O Teatro sob pressão
O teatro conheceu um esplendor que não resistiria à asfixia causada pela censura e pela repressão. Resultava do trabalho realizado, em especial, por dois grupos, o Oficina, em torno de seu diretor José Celso Martinez Corrêa (no exílio de 1974 a 78), e o Arena, em torno de Augusto Boal (no exílio a partir de 1969), que se dedicaram a criar uma dramaturgia brasileira e uma nova formação do ator. Escreveram e encenaram com muito sucesso, durante vários anos, originando vocações, peças, espetáculos e revelações de ator. Extremamente engajados, e invocando Brecht como nome tutelar, vincariam a história do teatro no país. Ambos os grupos seriam dizimados pelo AI - 5, Ato Institucional, que deflagrou o terror de Estado e exterminou aquilo que fora o mais importante ensaio de socialização da cultura jamais havido no país (Vasconcellos, 1987).

O teatro mais artístico refugiou-se em pequenas companhias. Com orçamentos reduzidos e sem muito apelo ao público, ocupavam espaços alternativos, não mais experimentais e, por vez, tentavam, suscitar uma dramaturgia nova. Dentre elas, é necessário mencionar o Grupo Tapa, que encenou repertório clássico internacional e ocupou o posto de mais premiada companhia do país, Antunes Filho que congregou uma trupe experimental, com oficina de formação de atores, destacando-se pelas notáveis encenações de Nelson Rodrigues, objeto de uma verdadeira descoberta. Gerald Thomas que comandou a Ópera Seca, mais vanguardista, com montagens espetaculares e inovadoras.
O teatro de Cacá Rosset, de pendores circenses, que teve entre seus acertos a "Ubu Rei", de Alfred Jarry, cujo perfil estilístico parece ter marcado as montagens restantes. Os trabalhos de Gabriel Villela que chamavam a atenção de crítica e público, enquanto resistiam heroicamente o Folias D´Arte, a Companhia do Latão, a Companhia São Jorge, Os Parlapatões, entre outros que merecem nosso respeito.
Em artigo de Brecht (1966), ele denuncia a arte de tornar a verdade manejável como arma e mostra como reconhecer aqueles em cujas mãos a verdade se torna eficiente, dentro deste contexto retornam os esporos redivivos, e aparecem os "intelectuais institucionais".

Houve experiências idealistas e bem intencionadas, como o CPC do movimento estudantil. A UNE, através do CPC (Centro Popular de Cultura), que procurava levar a arte ao povo, sem temor da mão-de-ferro e a vontade do governo militar de dificultar esse contato "inapropriado" a seus objetivos. Além do mais, Brecht transformara o teatro em arma política no século XX, sabendo se apoderar da sua grande força de comunicação e a capacidade de mobilizar as pessoas. Atores e diretores não podiam dar as costas a essa influência arrebatadora, principalmente na década de sessenta, quando o mundo assistia a uma reviravolta dos costumes e, no Brasil, cresciam os infames mecanismos de repressão e censura. Para bloquear o avanço desse teatro, estagnar o elo estreito entre o palco e a política, os militares estendem um "cordon sanitaire" entre o público e os artistas. A censura e a perseguição acirram-se. Quem não se lembra do ator Klaus Maria Brandauer no papel do ator devorado pela ambição em Mephisto? Cai sobre todos que vivem a arte, o dilema cruel que consumiu o protagonista, do diretor húngaro István Szabó (Magaldi, 1989).
Na verdade, Gassner (1974), afirma que a tomada do poder pelos militares havia causado aos artistas de teatro, nesses meses iniciais, mais susto do que problema. As nuvens negras que se avolumavam no horizonte pareciam até certo ponto aliviadas, no que dizia respeito ao teatro, pelo notório interesse que o presidente Castelo Branco dedicava ao assunto, conhecido por ser freqüentador assíduo das salas de espetáculos, característica rara nos governantes brasileiros.
Como presidente, ele iniciou seu relacionamento com a classe teatral nomeando, menos de dois meses depois de empossado, uma estudiosa de grande prestígio, Bárbara Heliodóra, para a direção do Serviço Nacional de Teatro. A campanha nacional de teatro do mesmo órgão passou a contar com a colaboração de um conselho consultivo de alto gabarito: Carlos Drummond de Andrade, Décio de Almeida Prado, Adonias Filho, Gustavo Doria e Agostinho Olavo.
Quando uma dessas periódicas vazantes de bilheteria colocava a classe em pânico, o presidente recebia no palácio, às seis horas da manhã, uma delegação da categoria, que lhe pedia uma ajuda de emergência, concedida no ato, mediante autorização de uma verba extraordinária a cada um dos 19 espetáculos profissionais em cartaz no Rio, auxílio estendido também para São Paulo (Castro, 2004).
Quem iria desconfiar de que um governo chefiado por um presidente aparentemente tão bem intencionado em relação ao teatro iria transformar-se num inimigo dessa atividade?

Mas nesse período, quase ninguém ousa lançar alguma proposta mais ousada, que represente algum tipo de risco, do que as produções meramente comerciais que predominam, às vezes, com bons resultados artesanais, como no caso de "Descalços no Parque", comédia de Neil Simon. A partir da metade do ano de 1964, o teatro dá um grande salto qualitativo, iniciando um semestre excepcional.
Para Vasconcellos (1987), em São Paulo, o TBC ousa, em julho de 1964, a sua última grande cartada: "Vereda da Salvação", de Jorge Andrade, considerado por muitos um dos mais perfeitos e impressionantes textos de toda dramaturgia contemporânea. Antunes Filho realizou um espetáculo sob alguns aspectos excessivo, mas generoso e vigoroso, que suscitou fortes polêmicas. Lamentavelmente, o público não se deixou envolver por essa delirante e trágica história - baseada num episódio verídico ocorrido em Minas Gerais - e um grupo de colonos, esfomeados, desesperados e ignorantes, buscam refúgio num misticismo primário, que os leva ao fanatismo e à morte. Um fracasso de bilheteria, a produção foi o golpe de misericórdia que formalizou o fim das atividades do TBC como companhia produtora, depois de uma longa série de crises.
Em São Paulo, o Oficina, depois de encerrar a triunfal carreira de "Pequenos Burgueses", monta Andorra de Max Frisch. Não foi nenhum ponto alto do grupo, mas foi uma iniciativa importante na trajetória do conjunto, o Oficina começa a deixar patente o seu frontal inconformismo com o clima político que acaba de instalar-se no país.
No Rio de Janeiro, o segundo semestre de 1964 torna-se bem gratificante, diferente do primeiro semestre que foi medíocre, no fim o ano de 1964 trouxeram um respeitável recorde; nove lançamentos em dez dias. A imprensa especializada ressaltava o elevado número de espetáculos recomendáveis em cartaz, entre esses espetáculos estavam: Diário de um Louco, de Gogol, cujo sucesso, devido sobretudo a uma interpretação inesquecível de Rubens Corrêa, tira o teatro do Rio (futuro teatro Ipanema) de um "buraco financeiro".
Apesar de um panorama de aparente normalidade, já apareciam no horizonte alguns discretos prenúncios do que haveria por vir nos anos subseqüentes, em decorrência da nova situação política. Em maio de 1965, menos de dois meses depois do golpe, por ocasião da estréia de Antígona, a imprensa discutia se a tragédia simbolizava a luta contra as ditaduras e o direito de dizer "não". Em junho do mesmo ano, o teatro do Rio, que havia mudado o título de uma comédia de João Bethencourt de "A ilha de Circe", para, A "Intervenção Federal", por motivos óbvios achou prudente (ou foi obrigado a) rebatizar a peça para Mr. Sexo.
Aparecem os primeiros oportunismos: estréia uma comédia de Raul da Mata, ambiguamente intitulada "Caiu 1º. de Abril", com o substituto de uma comédia revolucionária. Em Leopoldina, Minas Gerais, uma montagem local de "A Invasão", de Dias Gomes, é impedida de estrear por um veto de personalidades notáveis da cidade, que consideravam a peça "pornográfica". E o Rio passa pela vergonha de ser provavelmente a única cidade do mundo a efetuar cortes numa peça de Shakespeare, no ano do quarto centenário do poeta. O responsável pelo vexame é o Serviço de Censura do Governo Carlos Lacerda, que eliminou a algumas falas da comédia, quando da temporada carioca da sua produção curitibana.
Em outubro de 1965, por imposição do regime, passaram a existir apenas dois partidos reconhecidos institucionalmente: a situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e a oposição "construtiva" e moderada do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que viria a ser calada com cassações de políticos e outros mecanismos, sempre que se excedesse aos olhos dos governantes (Gassner, 1974).
Em dezembro do mesmo ano, nascia a primeira semente daquilo que viria a ser uma das mais fortes trincheiras teatrais contra o regime militar: o show "Opinião", dirigido por Augusto Boal e interpretado por Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia). Por um tempo, O show foi apresentado em nome do teatro de Arena de São Paulo e, por ocasião da estréia, Boal declarou que o novo núcleo carioca do Arena, reunindo, entre outros, Milton Gonçalves, Nelson Xavier, Vianinha, Chico de Assis, Flavio Migliaccio, Vera Gertel e Isabel Ribeiro, desenvolveria no Rio um trabalho permanente, independente da matriz paulista, mas entrosado com ela; um projeto que nunca chegaria a ganhar corpo, diante da criação autônoma do Grupo Opinião.

De um modo geral, aqueles momentos de perplexidade que bruscamente se abatem sobre o teatro, permitiu que as máscaras e as ilusões caíssem o longo de 1965.
Em março deste ano aconteceu no Rio, a primeira proibição total de um texto, "O Vigário", de Rolf Hochhuth. Em maio, a atriz Isolda Cresta é detida, antes de uma sessão de Electra, por ter lido na véspera um manifesto contra a intervenção na República Dominicana. Em julho, o conflito se exacerba, com a primeira proibição de um espetáculo prestes a estrear, "O Berço do Herói", de Dias Gomes. O governador assume pessoalmente a iniciativa da proibição, que é formalizada pelo seu secretário de segurança, coronel Gustavo Borges, que acusa os responsáveis pela montagem de estarem "engajados na implantação de uma ditadura cultural, através do abuso de liberdades democráticas e em estreita obediência à recente diretriz do PCB" - uma linguagem que se tornaria rotineira de então em diante (Vasconcellos, 1987).

Ao longo do ano, vários textos são proibidos, e outros como "Os inimigos e Morte e Vida Severina" sofrem interdições posteriormente levantadas; outros ainda só conseguem estrear mutilados, como "Liberdade, Liberdade", que na sua temporada em São Paulo recebeu 25 cortes. A classe teatral mobilizava-se contra o arbítrio: em agosto, uma carta aberta com 1.500 assinaturas é entregue a Castelo Branco, protestando contra os abusos da censura; e, em outubro, um telegrama enviado à Comissão de Direitos Humanos da ONU denuncia os atentados contra a liberdade de expressão no Brasil. O tempo encarregou-se logo de demonstrar a inocuidade de tais reclamações.
Por um lado, os responsáveis pela revolução da linguagem cênica que tomaria corpo a partir de 1966, sentem-se inconformados e impotentes diante do sistema repressivo que controla cada vez mais radicalmente a vida do país, riscando do mapa qualquer noção de consulta popular, instalando de cada vez mais um rígido sistema de censura, impondo como obrigatória uma escala de valores morais alheios aos anseios espontâneos da juventude. Uma válvula de escape para esse inconformismo, no campo teatral, consistiu em contestar os códigos expressivos tradicionalmente aceitos como corretos e bem comportados, substituindo-os por alternativas nas quais os fatores de novidade e de provocação atuassem como molas propulsoras (Veríssimo, 1976).
Começam a penetrar nos ouvidos da juventude teatral os primeiros ecos de uma grande revolução cultural que se desenhava. Esse movimento, parte de uma sensação de insatisfação, no caso, não com esquemas militares, mas com valores culturais e éticos legados pelas gerações anteriores, que são repudiados como caducos e necessitados de urgente substituição por comportamentos radicalmente diferentes.
Para Courtney (1980:106):
Para dar a essas experiências uma legitimação, os escritos do diretor e ensaísta francês Antonin Artaud, que na época da sua publicação - os anos 1930 e 1940 - não foram levados a sérios, são reabilitados e consagrados como uma bíblia do novo teatro, e passa a ser o arsenal estético dos jovens experimentadores.
Mesmo com esses pensamentos e atitudes vindas de fora, por intelectuais e escritores, a censura continuava frenética. Alguns dos seus desatinos: invasão do teatro jovem, no Rio, para impedir a realização de um debate sobre Brecht, que seria autorizado alguns dias depois; cortes em "Terror e Miséria do III Reich"; detenção e Maceió, de um elenco carioca que apresentava "Joana em Flor", de Reinaldo Jardim, seguida de queima de exemplares do livro em praça pública; eliminação do texto de "O Homem do Princípio ao Fim", após vários meses em cartaz.
Michalski (1985), comenta que o anarquismo e as pressões a que a nação se achava submetida, produziria em 1967 o seu primeiro marco decisivo. Tão decisivo que se constituiria na consagração de uma verdadeira proposta estética e cultural, que abriria uma nova etapa do teatro brasileiro e serviria de inspiração a inúmeros desdobramentos e imitações.
Vestido de noiva, um texto anárquico que Oswald de Andrade escreveu entre 1933 e 1937, e no qual submeteu os corrompidos esquemas de funcionamento do capitalismo brasileiro a uma análise crítica de uma virulência sem precedente. Em compensação, esse espírito parecia feito sob medida para veicular a rebeldia dos jovens de 1967. Tanto, que antes da estréia de "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, o Oficina resolveu considerar o texto como seu "espetáculo-manifesto".
O espetáculo explodiu como uma bomba, arrancando aplausos da maioria da crítica, deixando perplexo e abalado o tradicionalmente burguês paulistano, e despertando, pelo seu tom provocativo, desconfiança das autoridades.
Peixoto relata o seguinte (1980:94):
A temporada em São Paulo seria tumultuada. Críticos espantados, público entre o fascínio e o ódio. Em algumas sessões havia gente que se levantava e agredia os atores (verbalmente). Ameaças quase diárias. Publico sendo revistado na entrada, um precário sistema de segurança armado nos bastidores. Ameaças de depredação do teatro; tínhamos um plano para escapar pelos fundos, se a resistência fosse inútil. Esta tensão engravidava o espetáculo. A censura agüentou em inesperado e surpreendente silêncio. Às vezes telefonavam dizendo que as denúncias, inclusive de militares, aumentavam. E que a pressão de Brasília crescia. Mas nos recomendavam certa moderação, para que tudo continuasse na santa paz.
Mas outras peças também foram perseguidas pela censura, e sofreram cortes em seus textos, como por exemplo: "Dois Perdidos", "Navalha na Carne" e "Volta ao Lar". Outras, como "O homem e o Cavalo", de Oswald de Andrade, e "Os Sinceros", de César Vieira, são sumariamente proibidas.

Toda a censura de textos que até então era realizado de modo descentralizado nos Estados, passou a ser concentrada por completo em Brasília, obrigando os autores e produtores a deslocarem suas tentativas freqüentes de resolver tais assuntos com as autoridades censoras.
Gaspari (2002:131) afirma que:
Talvez o ano mais trágico de toda história do teatro brasileiro foi 1968. A censura assume um papel de protagonista na cena nacional, declara guerra contra a criação teatral, torna-se incomodamente presente no cotidiano dos artistas. Em janeiro o general Juvêncio Façanha que no ano anterior mandou o ameaçador recado para os artistas "Ou vocês mudam, ou acabam", da uma estarrecedora declaração, que define com clareza a atitude do regime com à atividade cênica: "A classe teatral só tem intelectuais, pés sujos, desvairados e vagabundos, que entendem de tudo, menos de teatro".
Em fevereiro, um fato que deixou a classe teatral indignada, foi a retirada da peça, "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennesse Williams, e ainda por cima de impor à atriz Maria Fernanda, e ao produtor, Oscar Araripe uma suspensão de 30 dias. Os teatros do Rio e de São Paulo declaravam-se em greve, em protesto liderados por personalidades como: Cacilda Becker, Glauce Rocha, Tônia Carrero, Ruth Escobar e Walmor Chagas. São realizadas por esses grupos, diversas vigílias cívicas nas escadarias dos teatros das duas cidades, e ocorrem vários conflitos com a polícia.
Em função do prestígio dos manifestantes e do ineditismo da greve, o protesto toma uma repercussão que assusta as autoridades. Em defesa de sua imagem, o governo institui um grupo de trabalho, integrado por representantes das entidades de classe e por técnicos do ministério, e elaboram um projeto de uma nova lei sobre censura. Ao instalar a comissão, o ministro Gama e Silva procura tranqüilizar os artistas com a seguinte frase: "O teatro é livre; a censura não os incomodará mais".
Continuando no mesmo raciocínio de Gaspari (2002), todos levam à promessa como uma cínica piada, pois as proibições não só não pararam, como se intensificaram. A tensão chega ao auge em julho, quando o Comando de Caça aos Comunistas invade, em São Paulo, o teatro onde estava em cartaz a peça, "Roda Viva", de Chico Buarque, espancando e maltratando vários membros do elenco e destruindo o cenário e o equipamento técnico. Em setembro, no Rio Grande do Sul, a mesma peça estava em cartaz, e voltaram a ser agredidos, e a censura acabando por proibir o espetáculo.
Teatros como o Gil Vicente (RS) e o Opinião (RJ), sofrem atentados a bomba, o ator Flavio Rangel é parado na rua e tem sua cabeça raspada, a atriz Cacilda Becker é demitida do seu emprego na TV Bandeirantes, por pressão dos órgãos de segurança.
Dentro de toda essa perseguição, o grupo de trabalho criado pelo ministro Gama e Silva, entregou em suas mãos um anteprojeto de censura bem mais liberal o que estava em vigor. Para o teatro, o projeto previa uma censura classificatória por faixas etárias, o ministro porém congelou o projeto durante alguns meses, e o encaminhou ao presidente Costa e Silva, descaracterizado por um artigo que mantinha, em parte, a censura interditória.
Nem por isso o teatro se acomodou. Procurou frestas inventou uma linguagem cifrada ou aproveitou entrelinhas, refugiou-se em locais onde não era possível o exercício da censura prévia, trocou muitas vezes a palavra pelo gesto significativo. Olhando essa década de vigência do Ato, é impressionante constatar o quanto foi feito quando nada era permitido.
Dentro deste contexto, o teatro fez o que pôde para sobreviver com seus pensamentos, idéias e maneira de atuar, sem ter que recuar diante de um governo autoritário e violento. E o faz com uma raiva que as circunstâncias justificam e que talvez, seja reforçada pelos ecos que anunciam a radicalização dos movimentos da juventude em vários países. Mas ao mesmo tempo, preocupa-se com o que a violência no teatro tem de potencialmente irracional (Michalski, 1985).
Reunidos na Associação Brasileira de Imprensa, artistas de teatro e cinema protestaram contra a invasão e depredação do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e o espancamento do elenco e de membros da equipe técnica do espetáculo "Roda Viva". Os artistas presentes à reunião, entre eles Tônia Carrero, Paulo Autran, Norma Benguel, Oduvaldo Vianna Filho, Osvaldo Loureiro, Flávio Rangel, Norma Blum e Cecil Thiré, exigiram a detenção dos culpados e a condenação "do terrorismo de direita". O espetáculo já havia terminado quando cerca de 20 pessoas começaram a depredar tudo, gritando que eram do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e que não admitiam obscenidades no teatro. O público retirou-se rapidamente, enquanto os agressores partiram em direção ao camarim dos atores, quebrando o que encontrassem pela frente. Armados de revólveres, cassetetes, soco-inglês e martelos, espancaram o elenco da peça, despiram as atrizes e obrigaram Marília Pêra e Rodrigo Santiago, também despidos, irem para a rua (Michalski, 1985).
Os agressores, após a depredação e a violência, debandaram e fugiram numa perua Kombi e num sedan Volkswagen bege claro, mas alguns atores conseguiram deter três desses elementos. Um primeiramente, que foi entregue a policiais da Rádio Patrulha, que os deixaram escapar. Outros dois que foram levados pessoalmente por atores e um de seus advogados ao DOPS. Um deles foi identificado como advogado formado no Mackenzie: Flavio Ercole. O outro como estudante de Economia do Mackenzie, que seria também sargento do Exército segundo foi dito na Assembléia realizada, logo após, no teatro Ruth Escobar (Dort, 1977).
Para se defender de um possível ataque do CCC, a turma do Oficina inventou uma grade de madeira ocupando todo o palco, que descia no fim da peça. Além de fazer parte do cenário, ela defendia os atores contra o CCC e dava o sentido ao texto da peça (prisão de Galileu, de Brecht), que era, de certa maneira, a mesma do grupo. Comentava-se que o CCC era uma das mais raivosas e violentas facções da época, à direita da burguesia, e que certamente seria protegida pela polícia, no caso de agressões físicas aos artistas.
O clima de perseguições aos intelectuais e artistas comunistas, e aos democratas de uma maneira geral - todos igualmente considerados malditos -, continuava nas piores proporções de violência possível. O ápice de todos foi a invasão policial ao restaurante do Calabouço no Rio quando mataram o estudante Édson Luís. Seus colegas levaram o corpo para a Assembléia Legislativa. Teatros suspenderam os espetáculos.
Segundo Gaspari (2002), a nação estava apavorada e sem rumo, terminavam sendo educados a serem cada dia pior, desconfiados, dedos-duros, falsos e mais pobres culturalmente. O medo da inteligência instalava-se como um vírus na população.
A classe média se afastou de vez do teatro, influenciada pela campanha que o esquema dominante havia desfechado contra ele, fazendo-o aparecer perante a opinião pública como um antro de perversões, violências e subversão. O mais prudente para o potencial espectador era passar longe das bilheterias.
Não há como negar, que a barulhenta arte do chamado teatro de agressão, assustou bastante o público tradicional, e, em vez de fazer de tudo para não perder o espectador e forçá-lo a participar ativamente dos acontecimentos cênicos, fizeram o inverso, e o assustaram ainda mais, tornando as salas de teatro mais vazias do que nunca.
Segundo afirmações de Michalski (1985:39):
A qualidade dos espetáculos tende a nivelar por baixo, a maioria não passa, compreensivelmente, de uma prudente rotina. Mas o impulso de experimentação não se perde de todo; pelo contrario, as poucas realizações que se opõem à prudência reinante e escapam às malhas da censura revelam múltiplas formas de talento e mantém vivo um sadio clima de polemica.
Nesta época, houve muitos acontecimentos de violência, agressões e traumáticas ocorrências no setor cultural. Mas o teatro sobreviveu no sentido emocional, e novas e grandiosas peças foram lançadas sem o teor da violência nos palcos. Textos como "Na selva das cidades" de Brecht, trouxeram de volta o espectador às cadeiras dos palcos teatrais, e dessa forma os artistas foram se superando, e o glamour do teatro começou a ser resgatado passo a passo.
Todos esses acontecimentos acima se deram no histórico ano de 1968. Um ano que foi marcado pela sucessão de fatos históricos. Segundo Ventura (1988), a geração de 1968 o chamou de "o ano do novo", pois parecia ser o início de alguma coisa. Por outro lado esta não pode ser considerada uma geração falida, porque apesar de ambicionar uma revolução total, não conseguiu mais do que uma revolução cultural. Porém, para Ventura (1988:16): "arriscando a vida pela política, ela não sabia, porém, que estava sendo salva historicamente pela ética".
O conteúdo moral foi a melhor herança que a geração de 1968 deixou para um país cada vez mais governado pela falta de memória e pela ausência de ética.
O tempo passou e passaram muitos dos acontecimentos para essa nossa já histórica falta de memória cultural. Mas o teatro se mantém e se renova a cada dia.
Com um maior número de atores se formando, surgem mais grupos teatrais e o teatro brasileiro passa a se diversificar. Comédia e drama se ramificam de modo criativo, com montagens inesperadas. Muitos atores se unem para fazer a criação coletiva do espetáculo. Dos grupos permanentes em plena atividade hoje em dia podemos destacar o Grupo Tapa, Parlapatões Patifes e Paspalhões, Cia do Latão, Teatro da Vertigem e o grupo do diretor Antunes Filho, além do Teatro Oficina de Zé Celso, entre outros. Cada um segue uma linha de atuação e conquista seu público.
Segundo Alexandre Elias (2004), atualmente o TBC não se encontra em posição confortável, estando prestes a fechar de novo. O Teatro Brasileiro de Comédia foi reaberto em 1999, depois de um processo de reforma e restauração de R$ 4 milhões, financiados pelo empresário Marcos Tidemann. Mais de 50 peças já foram realizadas lá, desde sua reinauguração até hoje. O teatro reconquistou seu público, e aparentemente estava tudo dando certo. Mas funcionários já foram demitidos, as chaves já foram entregues. Ou seja, mesmo com o investimento feito, mesmo com público, o TBC fechará suas portas. Não existem explicações declaradas sobre o novo fechamento do TBC. Procuramos na Internet e nenhuma explicação existe. Ainda, segundo Elias (2004) "Um famoso diretor brasileiro disse que o Teatro (ou a arte teatral) vai acabar, em mais ou menos 30 anos. Será que é isso mesmo? Será que não adiantam esforços, o Teatro está mesmo condenado?"
E do inesquecível TBC, apenas restarão as lembranças dos tempos dos aplausos e sorrisos e o orgulho de seus nobres artistas remanescentes como Fernanda Montenegro e Flavio Rangel, que participaram de corpo e alma daquela época de luta e coragem, ainda permanece em seus interiores, e jamais serão esquecidos por eles, que vivenciaram épocas tão difíceis para o teatro brasileiro.
São Paulo é ainda o principal pólo de teatro do Brasil. O grande número de salas, escolas de teatro e cursos livres possibilita uma renovação e crescimento constantes. Dentre eles pode-se destacar aqueles que proliferam dentro das universidades como na Unicamp, a Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo - USP, a Faculdade Paulista de Artes e também no Centro de Comunicação de Artes (Senac), e nas escolas teatrais como; Célia Helena, Macunaíma e Carmina Domus. Podemos contar com cursos livres também, como por exemplo: Casa do Teatro, Studio Cristina Mutarelli, Espaço do Ator, Oficina Cultural Oswald Andrade e muitos outros.
Devemos lembrar a importância que o valor dos artistas de teatro deram ao cumprir a tarefa de replicar e dar voz à cidadania. No entanto, a sombra do autoritarismo que teve no teatro a sua maior vítima ainda permanece. Ainda é possível perceber, dentro da comunicação, os resquícios de seus efeitos fatais.

(*) Milton Andrade é diretor da Cia Teatralizando, dramaturgo e escritor de formatos televisivos para grandes emissoras do Brasil.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sartre e o teatro brasileiro antes de 1964


O teatro deveria estar sempre consciente das necessidades de sua época. Tomemos Hamlet, essa peça repisada, como exemplo de interpretação. Nas sombrias e sangrentas circunstâncias em que escrevo estas linhas, ante o espetáculo dos crimes perpetrados pelas classes dirigentes e a tendência geral a duvidar de uma razão que não cessa de ser mal usada, creio poder ler essa peça da seguinte maneira: é um tempo de guerra. (Bertolt Brecht, Pequeno Órganon)

1O século XX, denominado o Século de Sartre, pode também ser identificado como um tempo de guerra. No que se refere à arte, embora, em momentos históricos anteriores, o teatro tenha se colocado a serviço da luta política, o período contemporâneo, talvez, tenha sido aquele que mais intensamente vivenciou os embates entre Arte e Política.

* 1 Por meio de concepções realistas e de uma estrutura narrativa centrada no conflito (e não em situaç (...)

2No Brasil, o palco vocacionado para a política sempre esteve muito próximo das experiências artísticas da Rússia e da Alemanha, do início do século XX, que foram fundamentais para a constituição de um repertório politicamente comprometido com as lutas de seu tempo[1]. Entretanto, se as conquistas formais de Erwin Piscator alimentaram inúmeros trabalhos do CPC da UNE, se as reflexões teóricas e as criações estéticas de Bertolt Brecht tornaram-se imprescindíveis para todos os que postulavam um teatro crítico, qual seria o lugar de Jean-Paul Sartre no período que o Teatro Engajado dominou a cena e os debates?
Sartre no teatro brasileiro no período anterior a 1964

3Deve-se destacar, inicialmente, que Sartre marcou sua presença na cena teatral brasileira tanto como dramaturgo, quanto como intelectual, sendo que o impacto de sua figura, como filósofo e militante, redimensionou o olhar atribuído ao homem de teatro.

* 2 É necessário fazer essa ressalva porque, em termos de texto dramático, a discussão apresenta outro (...)

4A fim de que esse movimento seja apreendido, deve-se recordar: na história do nosso teatro há a idéia recorrente de que a década de 1940 é o momento da modernidade da cena teatral[2]. E foi à luz dessa perspectiva, como bem observou Décio de Almeida Prado, que Jean-Paul Sartre foi encenado.

* 3 Prado, Décio de Almeida. O Teatro Brasileiro Moderno. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 50. (...)

Ao representar peças estrangeiras entrávamos na posse de um patrimônio a que também tínhamos direito – e nem foi outro o processo pela qual manifestações literárias de tão fortes raízes nacionais como o romantismo e o modernismo se aclimataram em solo brasileiro. Diante de nossa inocência teatral, encenar um García Lorca ou um Sartre, um Bernard Shaw ou um O’Neill, significou em certo momento uma aventura tão revolucionária quanto, após a Semana de Arte Moderna, escrever um poema livre, à maneira de Blaise Cendrars, ou pintar um quadro de inspiração cubista.[3]

5Essa abrangência está presente nas montagens de A Prostituta Respeitosa (1948, Companhia Maria Della Costa, direção de Itália Fausta), Entre Quatro Paredes (1950, Teatro Brasileiro de Comédia, direção de Adolfo Celi) e Mortos sem Sepultura (1954, Teatro Brasileiro de Comédia, direção de Flamínio Bollini Cerri).

* 4 As duas pesquisas, em nível de mestrado e em nível de doutorado, sobre a Companhia Maria Della Cost (...)

6Em relação à peça Prostituta Respeitosa, os comentários apresentados pelos pesquisadores Warde Marx e Tânia Brandão[4] remetem à idéia de que o espetáculo acentuou o tema do racismo, embora o texto abarcasse, por parte do dramaturgo, intenções de poder que iam além do tema explicitado.

7Já os indícios de recepção dos espetáculos do TBC apontaram aspectos mais gerais da dramaturgia contemporânea e restrições estabelecidas por alguns segmentos sociais:

* 5 Guzik, Alberto; Pereira, Maria Lúcia. (Orgs.). Dionysos – Especial: Teatro Brasileiro de Comédia. R (...)

Estréia de ENTRE QUATRO PAREDES, de Sartre, juntamente com UM PEDIDO DE CASAMENTO, de Tchecov, num mesmo programa. Imediatamente colocam-se contra a primeira peça duas entidades antagônicas, que se unem no combate ao novo espetáculo do TBC: o Partido Comunista, a quem não convém o existencialismo sartriano, e a Cúria. Esta última chega mesmo a proibir os católicos de assistirem a ele. A Censura se levanta, e só o libera após várias representações especiais para as autoridades. Também os atores, para que o espetáculo seja liberado, têm que obter a autorização expressa de seus padres confessores. Porém o sucesso coroa tantos esforços (Crítica de ENTRE QUATRO PAREDES, Décio de Almeida Prado, O ESTADO DE SÃO PAULO).[5]

8O crítico Miroel Silveira, sobre a montagem de Mortos sem Sepultura, destacou, por um lado, a qualidade da encenação, graças ao trabalho dos atores, mas observou que o espetáculo teve sua unidade comprometida, pois o cenário não estabeleceu nem o espaço dos torturados, nem o das vítimas. Por outro lado, em uma ponderação mais abrangente atentou para o fato de que o ecletismo dramatúrgico do TBC, em última instância, tem demonstrado ausência de orientação artística e intelectual no repertório da Companhia. Propriamente, no que diz respeito ao texto teatral, assim manifestou-se:

Quando se fala em Sartre de “Mortos sem Sepultura” estamos diante desse binômio de forma e essência: teatro de lances, arrebatamentos e “chaves”, e espírito romântico na observação e descrição dos fatos, mesmo quando os próprios personagens dizem que só os fatos os preocupam (e o dizem com duas mil palavras).

* 6 Silveira, Miroel. A Outra Crítica. São Paulo: Ed. Símbolo, 1976, p. 109.

O romantismo enxergou em Shakespeare e nos clássicos quase que só o coup de théatre, os assassínios, as tiradas. Sartre remoçou a receita, tentando criar uma nova forma de melodrama – o melodrama filosófico. Às vezes alcança seu objetivo, como em A... Respeitosa, de outras, como em Mortos sem Sepultura só se realiza parcialmente: a substância da mensagem antifascista permanece viva; o que envelheceu foi o episódio, o diálogo, o romantismo, enfim. (Folha da Manhã – 27/​04/​1954).[6]

9Já Ruggero Jacobbi, ao se debruçar sobre o mesmo espetáculo, externou sérias ressalvas à concepção dramática de Sartre, em contraponto ao trabalho de direção de Flamínio Bollini.

* 7 Jacobbi, Ruggero. A Inteligência de Sartre. In: Vanucci, Alessandra. (Org.). Crítica da Razão Teatr (...)

Peça gélida, sem nada de imediato ou de descoberto, na qual até mesmo o grande tema psicológico (o único), focalizado no melhor momento da ação, isto é, a estranheza e o isolamento daquele que não sofreu a tortura, não consegue revelar, no fim das contas, senão esse dom belíssimo, mas pobre, que é a inteligência de Sartre. [...] Nossa opinião sobre a peça de Sartre é tão radicalmente negativa (de um radicalismo animado não pela agressividade, mas sim exatamente – e pedimos que se pense o sentido da palavra – pelo “desânimo”), que quase não temos vontade de comentar o espetáculo, isto é, o esforço tremendo do diretor e dos intérpretes.[7]

10Os comentários expostos corroboram a avaliação feita por Almeida Prado: uma perspectiva de modernização efetivada pela presença de encenadores e de uma dramaturgia estrangeira. Sob esse olhar, no que diz respeito a Jean-Paul Sartre, as suas peças não foram selecionadas por impacto político e/​ou filosófico, mas pela densidade que as mesmas poderiam produzir no palco.

11A modernidade cênica instalara-se definitivamente nos palcos brasileiros, mas os trabalhos desenvolvidos sob essa égide passaram a ser considerados limitadores e insuficientes para as exigências estéticas e históricas do período, principalmente para os profissionais que viam na atividade teatral uma possibilidade concreta de intervir no processo de conscientização da sociedade brasileira. Para compreender tal diagnóstico, não se pode esquecer que os temas do progresso e da modernização foram eixos teóricos e políticos de nossa história contemporânea, sobretudo entre os anos de 1930 e 1960. Porém, as suas concepções não se mantiveram inalteradas.

12Um exemplo disso ocorreu na década de 1950, quando as discussões do nacional vieram a público, pelo trabalho do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A busca do homem brasileiro e da soberania do país ganhara a adesão dos setores progressistas, dentre os quais estavam jovens atores, diretores e dramaturgos, oriundos da Escola de Arte Dramática (EAD) e do Teatro Paulista do Estudante (TPE), com particular destaque para Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, também militantes do movimento estudantil e do PCB.

* 8 Para um maior detalhamento dessa discussão, consultar:

13Essa ambição intelectual e artística tornou-se responsável pela interpretação que explicou a decadência do Teatro Brasileiro de Comédia e a ascensão do Teatro de Arena de São Paulo. Este assumiu seu lugar na historiografia como o grupo cênico que renovou o palco brasileiro e redefiniu o papel do teatro na vida cultural do país com a encenação, em 1958, de Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri.[8] Sob esse ponto de vista:

A projeção só lhe veio quando se juntaram a José Renato três jovens homens de teatro destinados a revolucionar a dramaturgia brasileira. Augusto Boal trazia dos Estados Unidos a técnica do playwriting, no que diz respeito ao texto, e, quanto ao espetáculo, uma preocupação maior com a veracidade psicológica, conseqüência já do “método Stanislávski”, difundido por intermédio do Actors’ Studio de Nova York. Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, por seu lado, ambos filhos de artistas esquerdistas, ambos ligados desde a adolescência a movimentos estudantis, chamavam o teatro para a realidade política nacional, cuja temperatura começava a se elevar. Da interação entre esses elementos, artísticos uns, sociais outros, do jogo de influências, travado entre pessoas com pouco mais de vinte anos, na idade da maior incandescência emocional e intelectual, resultou a fisionomia definitiva do Teatro de Arena.

* 9 Prado, Décio de Almeida. O Teatro Brasileiro Moderno. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 63. (...)

A grande originalidade, em relação ao TBC e tudo o que este representava, era não privilegiar o estético, não o ignorando, mas também não o dissociando do panorama social em que o teatro deve se integrar. Desta postura inicial, deste “engajamento” – palavra lançada pouco antes por Sartre – é que adviriam os traços determinantes do grupo, o esquerdismo, nacionalismo e o populismo (em algumas de suas acepções), a tal ponto entrelaçados que apenas a abstração conseguirá separá-los.[9]

14Sob esse viés, novos tempos e novas discussões ganharam os palcos. Surgiram o texto politizado e o anseio por um teatro comprometido com a realidade. Motivado pela excelente acolhida de Black-tie pelo público e pela crítica, o Arena criou os Seminários de Dramaturgia, a fim de fomentar a confecção de peças voltadas para a conscientização popular e para os problemas sociais. Mas, essa preocupação não era sua exclusivamente. No mesmo período, em Pernambuco, durante o governo de Miguel Arraes, criou-se, por iniciativa de artistas como Ariano Suassuna e Luiz Mendonça, o Movimento de Cultura Popular (MCP). No Rio de Janeiro, as perspectivas de instrumentalizar a arte deram origem ao Centro Popular de Cultura (CPC). E, ainda em São Paulo, surgiu o Teatro Oficina, fundado por estudantes do curso de Direito do Largo São Francisco.

15Em verdade, o país experimentava a expectativa da transformação, traduzida na defesa de práticas antiimperialistas e no sonho de concretizar a revolução democrático-burguesa, vislumbrado por diversos segmentos sociais. Enquanto isso, o mundo assistia estupefato ao êxito da Revolução Cubana, em 1959.

16Desse processo, surgiu nos palcos brasileiros, pela primeira vez, a vinculação explícita entre Arte e Política e a intenção de engajamento em favor das causas populares visando à superação histórica. Tal iniciativa fez emergir um teatro intelectual, por meio do qual se intensificaram as críticas a uma concepção burguesa do fazer teatral, ao lado da defesa de uma cena que ampliasse o seu alcance para além dos limites das salas de teatro, como foi rememorado por Augusto Boal, na seguinte passagem:

A isto chamo Síndrome Che, que tantos de nós, um dia padecemos. Querer libertar escravos à força: tenho a minha verdade, sei o que é melhor para eles, então, já, façamos o que quero que façam. Sei que é certo. Vejo o que não podem ver: venham comigo, quero abrir seus olhos. Têm que ver o que vejo, pois vejo o caminho certo! As intenções, as melhores. A prática, autoritária: vinha de cima.

[...] Quando nossa insatisfação cresceu demais, cresceu a Síndrome Che Guevara. Grupos teatrais, em todo país, abandonaram suas platéias profissionais em busca do novo público, vasculhando o mundo à procura de oprimidos para lhes oferecer a Palavra Justa! [...] Mundo afora, bem-intencionados elencos sofriam, em doses mais cavalares do que a nossa, da mesma Síndrome. Faziam, em grotesca farsa, o que o Che havia feito em trágica vida!

* 10 Boal, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro: memórias imaginadas. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 1 (...)

Muitos, antes de nós, que praticavam o assim chamado teatro político mensageiro, na verdade praticavam uma forma de teatro evangélico: evangelizavam, com doutrinas discutíveis, a palavra soberana de uma organização ou de um Partido. A grande maioria dos CPCs, a par de suas imensas virtudes, jamais assaz louvadas, padecia dessa doença.[10]

17O relato acima evidencia, com clareza, a intenção desses artistas em dar vida a um teatro intelectual ou, nos termos de Boal, a constituição de um teatro político mensageiro, que chamou para a si a tarefa da consciência social e da transformação histórica. Nesse sentido, observa-se, nesse procedimento, a definição, dada por Jean-Paul Sartre, do que vem a ser o intelectual:

Assim, originalmente, o conjunto dos intelectuais aparece como uma variedade de homens que, tendo adquirido alguma notoriedade por trabalhos que dependem da inteligência (ciência exata, ciência aplicada, medicina, literatura, etc.), abusam dessa notoriedade para sair de seu domínio e criticar a sociedade e os poderes estabelecidos em nome de uma concepção global e dogmática (vaga ou precisa, moralista ou marxista) do homem.

* 11 Sartre, Jean-Paul. O que é um intelectual? In: ______. Em Defesa dos Intelectuais. São Paulo: Ática (...)

E, caso se queira um exemplo dessa concepção comum do intelectual, direi que não chamamos de “intelectuais” os cientistas que trabalham na fissão do átomo para aperfeiçoar os engenhos da guerra atômica: são cientistas, eis tudo. Mas, se esses mesmos cientistas, assustados com a potência destrutiva das máquinas que permitem construir, reunirem-se e assinarem um manifesto para advertir a opinião pública contra o uso da bomba atômica, transformam-se em intelectuais.[11]

18Em termos históricos, tal afirmação tem procedência, na medida em que vários artistas, de diferentes regiões e grupos de trabalho, declararam o impacto que os escritos do pensador francês tiveram em suas formações. O diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, por exemplo, afirmou:

Eu já lia Sartre e já conseguia localizar nos textos dele certos pontos de identificação com a gente. Por exemplo, a minha geração sentia que tinha que se virar por ela mesma. Aí entrava a noção sartriana de “liberdade”, de que não tem desculpa, de que você tem que se atirar nas coisas mesmo. Não tem pai, não tem mãe, não tem ditadura que lhe justifique, não tem opressão, não tem nada! Ou você age ou você se fode. Você tem que se virar? Se vire!

* 12 Corrêa, José Celso Martinez. Romper com a Família, Quebrar os Clichês. In: Staal, Ana Helena Camarg (...)

[...] Com o Sartre eu fui descobrindo o que a minha geração descobriu principalmente com Cuba: a idéia de que não tem “jeito”, a gente tem é que se virar. Se você não acontece, não acontece nada. “O dever do revolucionário é fazer a revolução”: essa frase, essa noção da filosofia sartriana não batia como slogan, não! Ela te entregava à vida.[12]

19Por sua vez, Luiz Carlos Maciel revelou:

* 13 Maciel, Luiz Carlos. Geração em Transe: memórias do tempo do tropicalismo. Rio de Janeiro: Nova Fro (...)

A atração pela rebeldia certamente não foi só minha mas de toda a geração porque era sentida por cada um de nós. A negação romântica parecia-nos o valor mais criado na história da cultura ocidental. Minha trajetória intelectual, por exemplo, atravessa vários fascínios. [...] O primeiro entretanto foi o existencialismo. Lembro que um dos primeiros livros adultos que li, ainda adolescente, foi O sentimento trágico da vida, de Miguel de Unamuno. [...] Essa experiência poderosa e angustiante me levou para o existencialismo. Li Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger, Sören Kierkegard etc. quando ainda era praticamente um fedelho. O reconhecimento de que o homem é absurdo, uma paixão inútil, foi fundamental na minha formação e, estou certo, na de meus companheiros de geração. Mas se Camus diz que o único problema filosófico realmente sério é o suicídio, não estávamos dispostos a morrer tão jovens. Queríamos viver. E, para isso, era preciso encontrar um valor na vida, um sentido. E foi assim que a necessidade de organizar o mundo se apresentou, como resposta diante de nossa perplexidade em face do absurdo metafísico. Sartre foi o pensador que melhor nos conduziu nesse caminho áspero. Minha geração foi, então, marcada pela política. Achávamos que tínhamos a missão sagrada de libertar nosso país da dominação, nosso povo da exploração, nossas vidas da neurose e nosso planeta da catástrofe. E o meio adequado para atingir tais objetivos era a política. Pelo menos foi isso que Sartre nos ensinou.[13]

20Os depoimentos de Zé Celso e Luiz Carlos Maciel são ilustrativos do repertório político e cultural que alimentou jovens intelectuais e artistas, nos idos dos 1950 e 1960. O impacto das idéias existencialistas de Sartre os mobilizava para refletirem acerca de suas próprias condições como indivíduos e, posteriormente, em uma extensão maior, como seres sociais. A isso, acrescente-se o neo-realismo italiano, a nouvelle vague, o cinema de Eisenstein, a descoberta de Marx, Brecht e Antonio Gramsci. Apesar de todos esses referenciais, foi o intelectual engajado, Jean-Paul Sartre, admirador de Fidel Castro e defensor do fim da opressão, postura materializada no apoio à Revolução Cubana e à Independência da Argélia, que se tornou o amálgama da atuação do teatro engajado no Brasil: uma prática artística que buscou romper com os limites estabelecidos e assumir a causa da transformação social.

* 14 Acerca desse aspecto limitador na análise estética de Sartre, Contatori Romano assim se manifestou: (...)

21Desse ponto de vista, a postura pública de Sartre estimulou as ações políticas advindas das atividades teatrais. Entretanto, o mesmo lugar não lhe pode ser atribuído quando o debate se volta para as linguagens utilizadas por esses artistas, porque as investigações no campo estético não estiveram entre as preocupações mais prementes do filósofo francês[14], ao passo que aqueles que protagonizavam o teatro engajado no país eram instigados por premissas que foram sintetizadas por Boal, na seguinte passagem:

* 15 Boal, Augusto. Explicação. In: ______. Revolução na América do Sul. São Paulo: Massao Ohno Editora, (...)

Há tempos, um crítico afirmou que não se deve meter política em teatro. Essa resistência ao tema proibido jamais teve razão. Teatro não é forma pura, portanto, é necessário meter alguma coisa em teatro, quer seja política ou simples história de amor, psicologia ou indagação metafísica. E se política é tão bom material como qualquer outro, surge o novo e mais sério problema: a idéia da peça. Atualmente existe forte tendência para que uma obra seja julgada levando-se demasiado em conta as idéias progressistas ou reacionárias contidas no texto, transformando-se este no único padrão de excelência ou inferioridade. Procede-se ao julgamento ético, abandonando-se o estético. Basta que o autor manifeste solidariedade e simpatia aos negros, aos operários ou à mulher sacrificada para que a sua obra seja encarada com seriedade. [...] Exemplificando: “O Mártir do Calvário” não pode ser analisado, nem pelos mais carolas, em função da vida exemplar de Jesus. Neste momento, a tendência de nossa dramaturgia não é nada religiosa, mas permanece o mesmo problema visto agora de novo ângulo.[15]

22Essa advertência expõe uma preocupação com os estímulos criativos de uma arte comprometida politicamente, com o intuito de advertir que a produção estética não pode prescindir do que lhe é específico: encontrar a linguagem formal adequada para materializar o conteúdo. Nesse caso, a questão ética, por si só, não deve ser o único critério considerado na análise crítica.

23Tal evidência é mais um argumento que alicerça a análise ora apresentada, isto é, se do ponto de vista da linguagem não é possível construir níveis de aproximação entre Sartre e o teatro político, já no que se refere à concepção de engajamento houve uma convergência de interesses.

* 16 Ibidem, p. 8.

Falta agora tentar uma ligação entre forma e conteúdo. Sartre, analisando Brecht, afirmou que pretende, como este, criticar a sociedade na qual vive o homem moderno, expondo os processos pelos quais essa sociedade e esse homem se desenvolvem. Mas quer também fazer o espectador participar integralmente da experiência do homem deste século, porque é ele, o espectador, que o vive. Este me parece ser o grande caminho do teatro moderno. Pouco importa se vou para ele ou não: importa que gostaria de penetrá-lo.[16]

24Apesar de Sartre não ter, como dramaturgo, direcionado o debate estético, as suas peças voltaram aos palcos graças ao grupo Oficina. Em 1959, em uma co-produção com a Aliança Francesa, com a direção de Jean Luc Descaves, foi encenada As Moscas e, em 1960, A engrenagem, com direção de Augusto Boal. Com esse último, qualificado por Zé Celso como o primeiro trabalho político do grupo, estabeleceu-se um debate acerca do tema do imperialismo à luz do processo eleitoral brasileiro de então.

* 17 Corrêa, José Celso Martinez. Romper com a Família, Quebrar os Clichês. In: Staal, Ana Helena Camarg (...)

Nesse momento o país estava em eleições: era a época do Jânio Quadros e do Lott. Então, durante a representação a gente perguntava a sério para o público: “O que vocês vão fazer dessa engrenagem, o que vocês vão fazer do imperialismo?”. Inclusive, nós utilizamos o teatro para uma exposição sobre esse tema, sobre a Petrobrás, aquelas coisas da época. Cada noite tinha um debate e nós perguntávamos de que lado os caras estavam. Foi aí que tivemos a nossa primeira experiência com a censura. Íamos representar A Engrenagem no Museu do Ipiranga, em São Paulo, e a representação foi proibida com a desculpa de que as crianças não poderiam assistir ao espetáculo. Nós nos amordaçamos com umas tiras de pano branco e fizemos uma passeata até o Sindicato dos Metalúrgicos para mostrar a peça lá.[17]

sábado, 23 de abril de 2011

DRAMATURGIA DO MOVIMENTO


Foto da peça encenada por Milton Andrade em João Pessoa no Centro Cultural SESC



DRAMATURGIA DO MOVIMENTO: PRIMEIRAS DEFINIÇÕES NA BUSCA DE UMA METODOLOGIA DE COMPOSIÇÃO

A dramaturgia do movimento, conforme entendida na contemporaneidade, nasce a partir das inovações de teorias teatrais novecentistas que passam a desenvolver métodos de análise do movimento e da ação cênica. Das mais variadas teorias nasce de forma orgânica, e muitas vezes complementar na interação entre tantas e diversas teorias, uma ampla rede conceitual que gradualmente sedimentará metodologias de composição da dramaturgia do corpo, ou como é mais conhecida no âmbito da dança, dramaturgia do movimento.

Neste artigo apresentamos de forma sintética alguns conceitos que regem a nossa prática pedagógica e artística, procurando, através das suas definições aplicativas, incrementar os procedimentos de composição da dramaturgia do movimento no teatro e na dança. Os conceitos de eucinética, coreologia e partitura corporal constituem, na nossa prática artística de "dramaturgos-do-corpo", as bases instrumentais para a definição dos principais procedimentos de composição da ação cênica. Optamos em apresentar os conceitos de forma serial, sem explorar e aprofundar devidamente a relação intrínseca existente no corpo teórico que os circunscreve, para que tenhamos de forma sintética e instrumental os pressupostos necessários para uma futura investigação teórica.

Existem dois grandes planos de composição da dramaturgia do movimento que, seguindo a terminologia proposta por Rudolf Laban, podem ser definidos como eucinético e coreológico. A eucinética se ocupa da composição das ações dinâmicas segundo princípios psicofísicos dentro da unidade espaço-tempo-energia determinada nos limites do corpo do ator-dançarino. A eucinética é a pesquisa da composição e do sentido do movimento num domínio onde são identificados os aspectos dinâmicos da ação. O nível eucinético é um primeiro plano de composição no qual são determinados os segmento da ação, as diversas qualidades de energia, as variações do ritmo e a orquestração das relações entre as diversas partes do corpo do ator. A coreologia, por outro lado, é o estudo da harmonia das formas sobre a qual baseia-se a criação de seqüência e escalas de movimentos projetados no espaço. Trata do sentido e da composição dos desenhos e das projeções do movimento expressivo no espaço geral, amplificado para fora e além do corpo do ator em forma de arquitetura espacial. A coreologia constitui, em extensão ao plano eucinético, um segundo nível de composição da dramaturgia do movimento, onde ocorre o estudo e a composição da ação construída sobre elementos direcionais e sobre leis da estruturação e da configuração espacial do movimento.

Tais planos, acima definidos, ordenam o trabalho de composição das partituras corporais, sendo estas instrumentos básicos de composição da dramaturgia do movimento.

Pode-se encontrar referências sobre o conceito de partitura em diversas teorias novecentistas que se dispuseram a estudar o corpo e a unidade psicofísica do ator. Stanislavski, o primeiro teórico a utilizar o termo partitura, foca sua pesquisas sobre a ação física como célula constitutiva da linha geral das ações dramatúrgicas. Voltada para a construção da personagem, a linha geral das ações físicas assegura uma atuação capaz de ser fixada e reproduzida numa partitura, garantindo uma harmonia e uma lógica conseqüêncial voltada à verossimilhança. Meyerhold não utiliza exatamente o termo partitura, mas herdando o sentido de precisão ideoplástica de Stanislavski, fala da necessidade de registro do "desenho do movimento" ou da "escritura dos movimentos plásticos". De um lado, o trabalho de Meyerhold era marcado pela tendência tipicamente futurista de liberação dos objetos cénicos com ênfase nos significados flutuantes e dinâmicos da construção cénica; de outro lado, a biomecânica aderia-se perfeitamente ao formalismo russo com um certo desinteresse pela semântica com ênfase na construção e na estrutura rítmica. Ao longo de anos de pesquisa, Meyerhold torna o trabalho de composição dramatúrgica sempre mais independente do texto, modelando a partitura através de noções propriamente musicais ao invés de se utilizar do pensamento dramatúrgico literário. Assim, sua linguagem de trabalho é composta de terminologias e de palavras como "ritmo", "dança", "biomecânica", que, gradualmente, substituiriam ou incrementariam a noção clássica de interpretação dramática. No mais, a biomecânica de Meyerhold define dois níveis de análise fundamentais para a criação de uma "pauta" de ação: o otkas e o predigra. O otkas é a ação contrária que precede a ação intencional, uma espécie de contra-impulso ou movimento preparatório que recolhe a energia necessária para agir e revela gradualmente a intenção da ação final. O predigra é a "pré-récita", uma série de ações que o ator realiza livre da emissão verbal do texto, mas que, seguindo a sua lógica de composição, estrutura corporalmente o texto. Atualizando o conceito utilizado por Stanislavski, Grotowski limita a utilização do instrumento da partitura ao trabalho do ator sobre si mesmo, empregando-o sobre as ações físicas, ou seja, sobre tudo o que não é texto. Pare ele o ator deve pensar em termos de movimento através da ação interiorizada e codificada. Sua preocupação a respeito da partitura pode ser notada nas suas reflexões a cerca da artificialidade (composição de artifícios), que segundo ele é a articulação de um papei através de signos criados pelo ator. Trata-se de uma metáfora que Grotowski utiliza ao se referir à notação dos signos visíveis constituintes das ações físicas do ator, que deve passar por um processo de auto-revelação de modo que possa discipliná-lo e transformá-lo em signos.

Na contemporaneidade das técnicas de composição da dramaturgia do movimento, a partitura pode ser entendida como um instrumento do ator que funciona como um esquema objetivo e diretivo criado a partir de referenciais e pontos de apoio para a elaboração da complexa relação existente entre a dramaturgia do corpo e a composição da cena. Segundo Patrice Pavis, tais pontos de apoio sustentam a memória anestésica, o "corpo pensante" do ator.1 Este grau de definição de códigos da dramaturgia do movimento é guiado, segundo a terminologia de Pavis, pela partitura preparatória. A partitura preparatória seria o recolhimento e a fixação de materiais trazidos pelo ator que ao longo dos ensaios são remodelados e re-significados a partir do olhar do diretor, gerando a partitura terminal. A análise dos princípios de composição cénica dos movimentos expressivos deve ser assim guiada por um instrumental que faça o estudo da forma geral da ação, do seu ritmo em linhas gerais (início, ápice, conclusão) e da precisão dos detalhes fixados. Dessa forma, a partitura serve para fixar a forma da ação, ou seja, animá-la de detalhes, impulsos e contra-impulsos, sendo a sua elaboração importante para o ator, pois dela depende a sua precisão, a qualidade de sua presença corporal e, também, a qualidade orgânica do sentido interior da ação. De acordo com Barba, é necessário que exista uma relação entre as partituras das ações físicas e a subpartitura, os pontos de apoio, a mobilização interna do ator. A subpartitura seria o que está subjacente à partitura corporal, o que não pode ser visto concretamente, mas que pode se caracterizar por imagens detalhadas que permeiam o imaginário do ator. Desta forma, para Eugênio Barba, o termo partitura, quando aplicado ao trabalho do ator, indica uma coerência orgânica. E é a organiddade que torna a "ação real", ou seja, ela garante o fato de a ação existir respeitando princípios pré-expressivos que convertem o corpo do ator em um "corpo-em-vida". Orientando-se através de conceitos como ação real e pré-expressividade, busca-se a organiddade do movimento através da precisão da forma e da expressão a fim de desenvolver e organizar o bios cénico do ator, para então emergir novas relações e inesperadas possibilidades de significados dramatúrgicos.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Selecionados em Maceió

Depois de um processo de treinamento de praticamente vinte horas-aula, o Diretor da Companhia Teatralizando, Milton Andrade, nas condições de avaliador e facilitador, selecionou dois artistas para a formação do cast:

Ana Paula Aureliano
David de Oliveira Cavalcante

Entraremos em contato com os selecionados.
Manteremos seleções no Estado e Região.

Parabéns para os selecionados.

Jaime Alessi

terça-feira, 12 de abril de 2011

Seleção de artistas

Bolsa: R$ 350,00
Moradia em alojamento para artistas
Fonte: CIA TEATRALIZANDO DE ARTE E CULTURA
seleção: ciateatralizando@gmail.com
ENVIAR DADOS PESSOAIS E FOTO DE ROSTO E CORPO




Não existe gente como a gente: gente de teatro.

Se você se sente interessado em participar do nosso projeto. Nos também sentimos motivados a receber novos TEXTOS e novos ARTISTAS para as duas próximas montagens que faremos na CIA AMADORA TEATRALIZANDO.

De qual seja a sua cidade, de qual seja o municipio deste Brasil se você é maior de DEZOITO ANOS E esta disposto a viajar o Brasil inteiro e apresentar as peças ARCANO E MAKTUB. Queremos a sua companhia mande-nos urgentemente um EMAIL com FOTO e CURRICULO para o email:

ciateatralizando@gmail.com

Teremos o maior prazer em receber a sua proposta e marcaremos um encontro em qualquer ponto desse no Brasil amado.

Estamos juntos. Estamos com você. Queremos ao lado de GENTE LIVRE, MODERNA E TALENTOSA mudar os RUMOS da DRAMATURGIA NACIONAL.

MANDE SEU EMAIL E FAÇA TEATRO COM A GENTE

ciateatralizando@gmail.com

A Força do HOMEM é mais forte que qualquer barreira INTRANSPONÍVEL.

Eis tudo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O Drama Teatral





Por Milton Andrade - Diretor da CIA teatralizando, diretor, dramaturgo de maktub, ensaio das horas, arcano e agora escrevendo para a Televisão

Existe grande polêmica sobre a definição de Teatro. Porém, uma página sobre Teoria do Teatro deve começar – me parece –, pela definição do que o Teatro é. Então, se partimos do fato irrecusável de que há uma história, escrita ou memorizada, que dá origem ao drama a ser representado, então o drama está subordinado a uma peça literária, por mais simples e rústica que esta seja. A Arte Dramática, ou Arte do Teatro – que envolve a arte de bem representar, a arte da iluminação, a arte da montagem do cenário, etc. –, é uma forma de manifestação artística a serviço da Literatura, assim como também a própria Arte do Livro – que envolve a arte da ilustração, a arte da impressão, a arte da encadernação, etc.

No Teatro, uma história e seu contexto se fazem reais e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores. Por exemplo: um indivíduo pode não acreditar na existência do fantasma em uma história que lê em um livro, mas terá a sensação de realidade desse fantasma se ele o vê no palco, e se o personagem lhe parecer autêntico, por agir do modo como, na sua concepção, um fantasma haveria de agir..

Pode ser dito, então, que o teatro é uma forma de manifestação artística em que uma história e seu contexto se fazem reais e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores.

A representação teatral será o resultado do trabalho de muitos profissionais: do dramaturgo, dos atores maiores e menores, do diretor de palco, do pintor do cenário, do maestro da orquestra, e de outros de cujo talento e competência a arte da dramaturgia depende para atingir seu objetivo. E como este é o de levar uma mensagem em um trabalho artístico unificado, para que seja de fato Teatro necessita da presença e do interesse dos espectadores. No grande Teatro, uma performance de sucesso é a que consegue a harmonia perfeita entre todos esses elementos.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Amor e revolução decepciona em seu primeiro capitulo.


Confesso que estava animado por ver uma produção histórica do grande novelista Thiago Santiago afinal o tema era extremamente convidativo e dramaturgico a ditadura mulitar é pano de fundo para um roteiro riquissimo e cheio de nuances. Mas o que se viu foi decepcionante. A pesquisa histórica não resgatou absolutamente nada de verossimilhante da época. A novela se arrasta em falas explicativas e interpretações irreais e sem nenhuma riqueza nem esmero de algo ao menos perto do verossímel. O cenário e as alocações usadas para ambientar a narrativa são desproporcionais. O incêndio no prédio da UNE parecia piada de quem não tentou nem ao menos resgatar o efeito histórico do momento. Em algum momento parecia que os artistas estavam oficinando ainda em busca de um acerto temático para o personagem e não se tratava ainda do capitulo pronto montado e exibido.

Vai ser muito triste ver um tema tão grande exposto de uma forma tão bizarra e pobre. A novela é fraca e me parece que culpa é da direção, dos artistas e das alocações usadas para a trama. Nada adiantaria um belissimo texto de Thiago se não houver um esforço para algo que pareça ao menos uma novela e não um cine trash. Que pena! Gostária profundamente de está escrevendo outra coisa aqui bem diferente do que isso. Mas a verdade é essa e AMOR E REVOLUÇÂO vai amargar pésssimos indices de audiência pela ineficiência de se atingir o público ou pela caricatura improvisada de seu elenco.

* Opinião do Diretor da CIA TEATRALIZANDO MILTON ANDRADE A RESPEITO DA PRODUÇÃO AMOR E REVOLUÇÃO DO SBT